terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Controle Social para a efetivação do SUS

Esta edição do VER-SUS teve foco na Gestão em Saúde. Aliando as vivências que tive durante o projeto à história (recente) do SUS, percebo que a efetivação do sistema depende, sim, de vontade política e de boas iniciativas de gestão. No entanto, a mobilização conjunta de diferentes segmentos da sociedade em torno de pautas de luta e reivindicações é que geram a realização de medidas concretas para a organização e o financiamento da saúde pública.

Nesse sentido, a ausência de experiências no campo do controle social durante o VER-SUS (ou de simples conversas a esse respeito com os profissionais locais) deixou uma lacuna a ser preenchida nas próximas edições. O artigo "O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social", do Ricardo Ceccim e da Laura Feuerwerker, foi citado várias vezes ao longo do estágio de vivência, criando expectativas quanto a abordagem dos quatro itens. O ensino, a gestão e a atenção foram contemplados, faltando apenas o controle social.

Registro aqui uma rápida passagem de um artigo da professora Miriam Dias, do Serviço Social da UFRGS, que sintetiza meu sentimento nessa postagem: "No horizonte da saúde surgem a diginidade e a justiça social, bem como a atenção integral, conforme requerida pelos indivíduos e pela coletividade."

Usuário de saúde mental: um sujeito de direitos (ou um relato sobre minha experiência no CAPS III da Rocinha)

Durante o VER-SUS, fizemos visitas a diferentes unidades de saúde, conversamos com profissionais de variadas áreas e usuários de muitos bairros. Tudo muito rápido e intenso (a palavra intenso, aliás, foi a mais usada durante toda a viagem, por todo o grupo), o que tornou difícil a assimilação das vivências. Por isso, a possibilidade de imersão mais proveitosa que tive foi o acompanhamento de um plantão noturno no CAPS III da Rocinha. Minha visita começou às 17h, com a observação da troca de plantão e da reunião dos profissionais dos turnos diurno e noturno e seguiu até as 07h30, devido ao atraso do motorista da van - que deveria ter me buscado às 07h, mas a situação não chegou a se tornar um problema.

Passar a madrugada no CAPS me possibilitou conversar demoradamente com os profissionais que atuam por lá. Especialmente com a equipe de enfermagem e de segurança, que foram incansáveis na resolução das minhas dúvidas. A experiência me ensinou mais do que qualquer aula expositiva sobre saúde mental... Pude conhecer mais a realidade da Rocinha diferenciando o que é espetacularização da mídia e o que é o cotidiano dos moradores. Pude observar o tratamento humanizado dado aos sofredores psíquicos da favela, que tem sua enfermidade agravada pela moradia em área de grande vulnerabilidade social e, na maioria dos casos, também pelo uso de drogas.

Existem formas diferentes de lidar com o portador de sofrimento psíquico. Podemos considerá-lo alvo de intervenção ou um sujeito de direitos – que necessita de cuidados, mas que, para isso, não precisa abdicar de sua liberdade e capacidade de autonomia. No CAPS, é a segunda opção que vigora. E pelos resultados atingidos, percebe-se que é perfeitamente possível viabilizar modelos de atenção centrados nas populações locais e dentro de suas redes sociais, contrariando o modelo hospitalocêntrico e manicomial.

Pude organizar melhor minhas idéias a respeito da integralidade com as conversas que tive com o segurança Carlos Roberto, que trabalhou no plantão de quarta-feira. “Eu sou contratado para cuidar do patrimônio, mas o maior patrimônio é a vida humana. Por isso, eu também cuido deles”, ele explicou, referindo-se aos usuários de saúde mental. Foi o indicativo, para mim, de que o acolhimento dos usuários é papel de todos os profissionais do CAPS, sem ordem de importância. Observei isso tanto na reunião de equipe, quanto no trabalho rotineiro do CAPS, onde todos se tratam de igual para igual, sem a hegemonia da especialidade.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

...ainda sobre gênero e Promoção da Saúde

É comum atribuírmos papéis sociais ao feminino e ao masculino. As ações de cuidado são tradicionalmente femininas e, muitas vezes, chamadas de "materno-infantis", o que gera o afastamento dos pais e reforça a responsabilização exclusiva das mulheres no cuidado dos filhos. Romper com essa lógica na elaboração de políticas públicas na área da Saúde ainda é um desafio em todos os estados do Brasil. Contudo, o Rio me surpreendeu positivamente.

Depois de publicar o post abaixo, fui rever os materiais impressos que trouxe da viagem e encontrei uma espécie de apostila, que foi distribuída aos alunos do VER-SUS durante a oficina de postais, realizada no dia 25, por uma equipe ligada à Superintendência de Promoção da Saúde da SMSDC. A apostila traz na capa o título "Unidade de Saúde Parceira do Pai".

Ao ler esse material, fiquei sabendo que o Rio de Janeiro tem, desde 2004, um decreto municipal (nº 24.083) que institui o Mês de Valorização da Paternidade, realizado sempre em agosto. Nessa data, as unidades de saúde, escolas e demais equipamentos e projetos municipais que trabalham com crianças, adolescentes e suas famílias devem desenvolver atividades voltadas para o tema da paternidade e do envolvimento dos homens nas ações de cuidado.

E por falar em legislação, a cartilha também traz informações sobre os direitos dos pais registrados na Constituição Federal. O acompanhamento ao parto, por exemplo, está garantido na Lei nº 11.108/2005, que determina que os serviços do SUS (da rede própria ou conveniada) são obrigados a permitir a presença do pai durante o trabalho de parto, no parto e no pós-parto imediato. Mais um importante direito assegurado é a licença-paternidade de cinco dias (artigo 7º da constituição). Confesso que não tinha conhecimento dessas leis e considero difícil o acesso a essas informações.

Outro projeto de Promoção da Saúde da SMSDC é o "10 Passos Para Ampliar a Participação do Pai nas Políticas Públicas", que contribui para institucionalizar as ações de inclusão dos homens em diferentes equipamentos sociais, inclusive nos serviços de Saúde.


Abaixo, está um dos postais trabalhados na oficina e que ilustra a relação entre a questão de gênero e a promoção da sáude.
Ilustração: Mariana Massarani
Postal da Série “Colecione Saúde”
Superintendência de Promoção da Saúde

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Olímpia Esteves: uma discussão sobre saúde, gênero e mobilização comunitária

Já no finzinho da viagem conhecemos a Clínica da Família situada entre Padre Miguel e Realengo, também na zona Oeste do Rio. A Olímpia Esteves está em funcionamento há pouco mais de um ano - diferente das demais clínicas que conhecemos -, e foi um ótimo parâmetro de comparação e verificação de resultados.

Nossa visita à clínica foi motivada, principalmente, pela inauguração da estação OTICS em seu andar superior. Participamos da cerimônia e, ao final, realizamos uma renião de avaliação do VERSUS. Apesar dos compromissos, foi possível passear pelas dependências da Olímpia Esteves e conversar com os profissionais que estavam por lá.

 
Um agente comunitário, em especial, me deu detalhes do funcionamento da clínica. Foi o agente Valtecir da Silva Lima, morador de Padre Miguel e entusiasta do SUS. Ele costuma dizer aos moradores que duvidam da qualidade dos serviços da clínica: "qual o melhor plano de saúde, com direito a cobertura odontológica? O SUS, é claro!". Valtecir trata o tema com bom-humor, mas traz à tona, com seu depoimento, a descrença da população no SUS...

Enquanto conversávamos, ele me mostrou painéis de fotos e desenhos produzidos pelos homens da comunidade. Isso me deixou intrigada: um grupo de homens, se contrapondo aos clubes de mães e outras tradicionais organizações femininas. Em uma rápida análise, perceber-se que as lideranças comunitárias são, em sua maioria e em todos os estados do país, mulheres. No caso da saúde, são elas quem levam os filhos e maridos para o atendimento médico, são elas quem cuidam dos medicamentos consumidos pelas famílias e, por consequência, são elas a presença mais frequente nas unidades de saúde. Essa realidade faz com que os homens estejam longe de discussões importantes que geram influência na vida de toda a comunidade, como a violência doméstica e a paternidade responsável, por exemplo.

Fiquei satisfeita ao ver a mobilização em Padre Miguel. Os homens do bairro estão se integrando ao cotidiano da clínica. Até um time de futebol da Olímpia Esteves foi montado, com a adesão de profissionais e usuários. Todos pela vitória do SUS!


Maria Socorro Silva e Souza e a importância do trabalho em equipe

No dia 24 nos deslocamos até a Rocinha, onde está localizada esta Clínica da Família, dentro de um complexo de unidades de saúde formado, ainda, por uma UPA e um CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial 24 horas). Como me envolvi bastante com as atividades do CAPS III, acabei explorando pouco esta clínica.


No dia 26, a equipe VER-SUS voltou à Rocinha e repetiu a dinâmica já executada na Clínica Hans. Fomos divididos em grupos para vivenciar diferentes serviços do complexo de saúde. Eu acompanhei a primeira reunião de matriciamento entre os profissionais do CAPS III e da Clínica da Família. Estavam presentes quatro agentes comunitárias, uma médica pediatra, uma enfermeira, o coordenador do CAPS III, duas psicólogas e nós, um grupo de quatro estudantes.

O aspecto que mais me chamou a atenção ao longo da reunião foi uma demanda levantada pelas agentes comunitárias. Elas reivindicaram apoio psicológico para amenizar os danos causados pelo dia-a-dia de trabalho na Rocinha. Percebi que falamos muito na saúde dos usuários, mas que esquecemos da saúde do trabalhador - o que é bastante curioso dentro do ambiente de uma unidade de saúde.

Passados os primeiros momentos de reunião, os trabalhadores estavam à vontade para explicitar  dificuldades no desempenho de suas funções e entusiasmados com a possibilidade de buscar soluções conjuntas, com toda a equipe. A médica relatou o caso de um paciente soropositivo que estava prestes a ser demitido porque os patrões não aceitavam mais os sucessivos atestados médicos apresentados por ele para justificar faltas no emprego. Ela relatou ter telefonado para a empresa onde o usuário trabalha para validar os atestados, além de ter conversado demoradamente com ele sobre os seus direitos de trabalhador. "Com o apoio de um assistente social isso seria muito mais fácil", a médica ressaltou, relatando que o atendimento durou cerca de uma hora, ocasionando a formação de uma grande fila do lado de fora do consultório.

Fiquei feliz por vivenciar aquela discussão dos profissionais, que traduziu na prática, para mim, a importância do trabalho em equipe e da interdisciplinaridade na saúde. Abaixo, segue um rápido vídeo com a fachada do complexo de saúde e a paisagem da Rocinha em seu entorno.

Novidades em implantação na Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann

No dia 17, visitamos pela primeira vez a Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann, que está em funcionamento há três meses e leva esse nome em homenagem ao pai do atual secretário de saúde da cidade, Hans Dohmann.
Fomos conduzidos pelo seu amplo e bem organizado espaço físico para observar os consultórios médicos, as salas de saúde bucal, farmácia, os equipamentos para realizar ultrassonografia e raio-x, entre outros serviços. A estrutura física causou espanto em todo o grupo. Não apenas por ser ampla, nova ou bem equipada, mas principalmente pela identidade visual sofisticada – com predomínio das cores azul e branco, contrastadas com imagens da comunidade em posters e painéis em tons de cinza e caracterização dos consultórios por temas, como saúde da mulher ou da criança. O visual da clínica sugere um ambiente saudável na perspectiva da qualidade de vida e não do tratamento de doenças.



Outra novidade que nos foi apresentada nessa visita foi a Academia Carioca da Saúde, que funciona no pátio da Clínica. Abaixo, segue o vídeo que foi exibido ao grupo do VER-SUS pela equipe da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil, com depoimentos dos usuários, profissionais de saúde e gestores envolvidos na criação e execução dessa iniciativa.



Retornamos à clínica da Praia da Brisa no dia 19, quando os alunos foram divididos em grupos. O meu grupo teve a oportunidade de acompanhar uma visita domiciliar feita por uma equipe de saúde da família na Região Patrícia Pinto. Outros grupos também acompanharam o trabalho na região, mas nas áreas de saúde bucal e de prevenção à dengue. No total, a Clínica Hans conta com quatro equipes de saúde da família e duas equipes de saúde bucal.

Eu pude observar de perto os esforços dos agentes comunitários para efetuar o cadastramento da comunidade e de um dos médicos da clínica  na visita ao usuário em casa. Aliás, foi possível conferir o processo de adaptação da equipe, de forma geral, à dinâmica diferenciada da clínica na execução da atenção primária.

Muito importante também foi ouvir os usuários, moradores de uma área de grande vulnerabilidade social como a Patrícia Pinto, sobre as dificuldades e facilidades no acesso aos serviços de saúde e sobre sua qualidade. Valeu muito a pena tirar os olhos dos livros para colocar os pés no barro...



A experiência das Clínicas da Família

A programação do VER-SUS incluiu visitas às Clínicas da Família Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann, na Praia da Brisa, Maria Socorro Silva e Souza, na Rocinha, e Olímpia Esteves, em Padre Miguel. Todas as clínicas são novas e ainda perseguem os primeiros resultados, no entanto, foi possível perceber diferenças de funcionamento entre elas a partir de uma série de fatores, a exemplo dos desafios oferecidos pelos territórios onde se situam. Isso ocasionou um olhar comparativo sobre as Clínicas que visitamos, mesmo que soubéssemos que as unidades seguem padrões de estrutura física, de formação de equipes e de disponibilização de serviços. Em Padre Miguel, por exemplo, os serviços de saúde oferecidos pela clínica estão amplamente difundidos dentro da comunidade. Já na Praia da Brisa, o trabalho de cadastramento está no início e, aos poucos, a população está se informando sobre os serviços disponíveis. Na Rocinha, é a instalação dentro de um complexo de saúde que faz a diferença, seja pela integração dos profissionais ou pela continuidade do atendimento nas unidades vizinhas.