quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

...ainda sobre gênero e Promoção da Saúde

É comum atribuírmos papéis sociais ao feminino e ao masculino. As ações de cuidado são tradicionalmente femininas e, muitas vezes, chamadas de "materno-infantis", o que gera o afastamento dos pais e reforça a responsabilização exclusiva das mulheres no cuidado dos filhos. Romper com essa lógica na elaboração de políticas públicas na área da Saúde ainda é um desafio em todos os estados do Brasil. Contudo, o Rio me surpreendeu positivamente.

Depois de publicar o post abaixo, fui rever os materiais impressos que trouxe da viagem e encontrei uma espécie de apostila, que foi distribuída aos alunos do VER-SUS durante a oficina de postais, realizada no dia 25, por uma equipe ligada à Superintendência de Promoção da Saúde da SMSDC. A apostila traz na capa o título "Unidade de Saúde Parceira do Pai".

Ao ler esse material, fiquei sabendo que o Rio de Janeiro tem, desde 2004, um decreto municipal (nº 24.083) que institui o Mês de Valorização da Paternidade, realizado sempre em agosto. Nessa data, as unidades de saúde, escolas e demais equipamentos e projetos municipais que trabalham com crianças, adolescentes e suas famílias devem desenvolver atividades voltadas para o tema da paternidade e do envolvimento dos homens nas ações de cuidado.

E por falar em legislação, a cartilha também traz informações sobre os direitos dos pais registrados na Constituição Federal. O acompanhamento ao parto, por exemplo, está garantido na Lei nº 11.108/2005, que determina que os serviços do SUS (da rede própria ou conveniada) são obrigados a permitir a presença do pai durante o trabalho de parto, no parto e no pós-parto imediato. Mais um importante direito assegurado é a licença-paternidade de cinco dias (artigo 7º da constituição). Confesso que não tinha conhecimento dessas leis e considero difícil o acesso a essas informações.

Outro projeto de Promoção da Saúde da SMSDC é o "10 Passos Para Ampliar a Participação do Pai nas Políticas Públicas", que contribui para institucionalizar as ações de inclusão dos homens em diferentes equipamentos sociais, inclusive nos serviços de Saúde.


Abaixo, está um dos postais trabalhados na oficina e que ilustra a relação entre a questão de gênero e a promoção da sáude.
Ilustração: Mariana Massarani
Postal da Série “Colecione Saúde”
Superintendência de Promoção da Saúde

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Olímpia Esteves: uma discussão sobre saúde, gênero e mobilização comunitária

Já no finzinho da viagem conhecemos a Clínica da Família situada entre Padre Miguel e Realengo, também na zona Oeste do Rio. A Olímpia Esteves está em funcionamento há pouco mais de um ano - diferente das demais clínicas que conhecemos -, e foi um ótimo parâmetro de comparação e verificação de resultados.

Nossa visita à clínica foi motivada, principalmente, pela inauguração da estação OTICS em seu andar superior. Participamos da cerimônia e, ao final, realizamos uma renião de avaliação do VERSUS. Apesar dos compromissos, foi possível passear pelas dependências da Olímpia Esteves e conversar com os profissionais que estavam por lá.

 
Um agente comunitário, em especial, me deu detalhes do funcionamento da clínica. Foi o agente Valtecir da Silva Lima, morador de Padre Miguel e entusiasta do SUS. Ele costuma dizer aos moradores que duvidam da qualidade dos serviços da clínica: "qual o melhor plano de saúde, com direito a cobertura odontológica? O SUS, é claro!". Valtecir trata o tema com bom-humor, mas traz à tona, com seu depoimento, a descrença da população no SUS...

Enquanto conversávamos, ele me mostrou painéis de fotos e desenhos produzidos pelos homens da comunidade. Isso me deixou intrigada: um grupo de homens, se contrapondo aos clubes de mães e outras tradicionais organizações femininas. Em uma rápida análise, perceber-se que as lideranças comunitárias são, em sua maioria e em todos os estados do país, mulheres. No caso da saúde, são elas quem levam os filhos e maridos para o atendimento médico, são elas quem cuidam dos medicamentos consumidos pelas famílias e, por consequência, são elas a presença mais frequente nas unidades de saúde. Essa realidade faz com que os homens estejam longe de discussões importantes que geram influência na vida de toda a comunidade, como a violência doméstica e a paternidade responsável, por exemplo.

Fiquei satisfeita ao ver a mobilização em Padre Miguel. Os homens do bairro estão se integrando ao cotidiano da clínica. Até um time de futebol da Olímpia Esteves foi montado, com a adesão de profissionais e usuários. Todos pela vitória do SUS!


Maria Socorro Silva e Souza e a importância do trabalho em equipe

No dia 24 nos deslocamos até a Rocinha, onde está localizada esta Clínica da Família, dentro de um complexo de unidades de saúde formado, ainda, por uma UPA e um CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial 24 horas). Como me envolvi bastante com as atividades do CAPS III, acabei explorando pouco esta clínica.


No dia 26, a equipe VER-SUS voltou à Rocinha e repetiu a dinâmica já executada na Clínica Hans. Fomos divididos em grupos para vivenciar diferentes serviços do complexo de saúde. Eu acompanhei a primeira reunião de matriciamento entre os profissionais do CAPS III e da Clínica da Família. Estavam presentes quatro agentes comunitárias, uma médica pediatra, uma enfermeira, o coordenador do CAPS III, duas psicólogas e nós, um grupo de quatro estudantes.

O aspecto que mais me chamou a atenção ao longo da reunião foi uma demanda levantada pelas agentes comunitárias. Elas reivindicaram apoio psicológico para amenizar os danos causados pelo dia-a-dia de trabalho na Rocinha. Percebi que falamos muito na saúde dos usuários, mas que esquecemos da saúde do trabalhador - o que é bastante curioso dentro do ambiente de uma unidade de saúde.

Passados os primeiros momentos de reunião, os trabalhadores estavam à vontade para explicitar  dificuldades no desempenho de suas funções e entusiasmados com a possibilidade de buscar soluções conjuntas, com toda a equipe. A médica relatou o caso de um paciente soropositivo que estava prestes a ser demitido porque os patrões não aceitavam mais os sucessivos atestados médicos apresentados por ele para justificar faltas no emprego. Ela relatou ter telefonado para a empresa onde o usuário trabalha para validar os atestados, além de ter conversado demoradamente com ele sobre os seus direitos de trabalhador. "Com o apoio de um assistente social isso seria muito mais fácil", a médica ressaltou, relatando que o atendimento durou cerca de uma hora, ocasionando a formação de uma grande fila do lado de fora do consultório.

Fiquei feliz por vivenciar aquela discussão dos profissionais, que traduziu na prática, para mim, a importância do trabalho em equipe e da interdisciplinaridade na saúde. Abaixo, segue um rápido vídeo com a fachada do complexo de saúde e a paisagem da Rocinha em seu entorno.

Novidades em implantação na Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann

No dia 17, visitamos pela primeira vez a Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann, que está em funcionamento há três meses e leva esse nome em homenagem ao pai do atual secretário de saúde da cidade, Hans Dohmann.
Fomos conduzidos pelo seu amplo e bem organizado espaço físico para observar os consultórios médicos, as salas de saúde bucal, farmácia, os equipamentos para realizar ultrassonografia e raio-x, entre outros serviços. A estrutura física causou espanto em todo o grupo. Não apenas por ser ampla, nova ou bem equipada, mas principalmente pela identidade visual sofisticada – com predomínio das cores azul e branco, contrastadas com imagens da comunidade em posters e painéis em tons de cinza e caracterização dos consultórios por temas, como saúde da mulher ou da criança. O visual da clínica sugere um ambiente saudável na perspectiva da qualidade de vida e não do tratamento de doenças.



Outra novidade que nos foi apresentada nessa visita foi a Academia Carioca da Saúde, que funciona no pátio da Clínica. Abaixo, segue o vídeo que foi exibido ao grupo do VER-SUS pela equipe da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil, com depoimentos dos usuários, profissionais de saúde e gestores envolvidos na criação e execução dessa iniciativa.



Retornamos à clínica da Praia da Brisa no dia 19, quando os alunos foram divididos em grupos. O meu grupo teve a oportunidade de acompanhar uma visita domiciliar feita por uma equipe de saúde da família na Região Patrícia Pinto. Outros grupos também acompanharam o trabalho na região, mas nas áreas de saúde bucal e de prevenção à dengue. No total, a Clínica Hans conta com quatro equipes de saúde da família e duas equipes de saúde bucal.

Eu pude observar de perto os esforços dos agentes comunitários para efetuar o cadastramento da comunidade e de um dos médicos da clínica  na visita ao usuário em casa. Aliás, foi possível conferir o processo de adaptação da equipe, de forma geral, à dinâmica diferenciada da clínica na execução da atenção primária.

Muito importante também foi ouvir os usuários, moradores de uma área de grande vulnerabilidade social como a Patrícia Pinto, sobre as dificuldades e facilidades no acesso aos serviços de saúde e sobre sua qualidade. Valeu muito a pena tirar os olhos dos livros para colocar os pés no barro...



A experiência das Clínicas da Família

A programação do VER-SUS incluiu visitas às Clínicas da Família Dr. Hans Jurgen Fernando Dohmann, na Praia da Brisa, Maria Socorro Silva e Souza, na Rocinha, e Olímpia Esteves, em Padre Miguel. Todas as clínicas são novas e ainda perseguem os primeiros resultados, no entanto, foi possível perceber diferenças de funcionamento entre elas a partir de uma série de fatores, a exemplo dos desafios oferecidos pelos territórios onde se situam. Isso ocasionou um olhar comparativo sobre as Clínicas que visitamos, mesmo que soubéssemos que as unidades seguem padrões de estrutura física, de formação de equipes e de disponibilização de serviços. Em Padre Miguel, por exemplo, os serviços de saúde oferecidos pela clínica estão amplamente difundidos dentro da comunidade. Já na Praia da Brisa, o trabalho de cadastramento está no início e, aos poucos, a população está se informando sobre os serviços disponíveis. Na Rocinha, é a instalação dentro de um complexo de saúde que faz a diferença, seja pela integração dos profissionais ou pela continuidade do atendimento nas unidades vizinhas.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Programa Saúde Presente: números para explicar e confundir


Durante o VER-SUS, conhecemos algumas iniciativas que fazem parte do programa Saúde Presente, implantado pela atual gestão municipal do Rio de Janeiro. O programa divide a cidade em dez áreas e faz o ousado planejamento de uma cobertura de saúde completa dessas áreas.

Pelo que ouvi durante as visitas e também pelo que pesquisei na internet, a proposta é aumentar a medicina preventiva, reduzindo internações, consultas, exames e, por conseqüência, os custos hospitalares.
Em números, conforme o site do OTICS Rio, o objetivo do Saúde Presente é construir 70 Clínicas da Família até 2012, atingindo 50% de cobertura da cidade do Rio de Janeiro pelo Programa de Saúde da Família (PSF), com aproximadamente 1.500 equipes. Hoje, existem 13 Clínicas da Família: quatro na zona Sul, quatro na zona Oeste e cinco na zona Norte.

Entender a organização da cidade em áreas e, também, o impacto gerado pelas Clínicas da Família na totalidade do SUS no Rio de Janeiro é uma tarefa difícil, que não foi vencida por mim ao longo da viagem. Nas reuniões realizadas com o grupo no hotel, ao final de alguns dias de atividades do VER-SUS, já havíamos problematizado a necessidade de um preparo prévio dos estudantes para a compreensão dessas questões. Possivelmente, através de uma conversa em Porto Alegre, antes do embarque. A carência de informações sobre o município e sua rede de serviços de Saúde tornou mais lenta a assimilação das nossas vivências. 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Começando pelo começo: o que é o VER-SUS?

Trata-se de uma tecnologia de integração do ensino acadêmico com os serviços do SUS que está prevista na política de educação na saúde do SUS desde 2003. Por isso, esse projeto de extensão já teve várias edições, em diversos estados do país e com ênfases diferentes. Após um período sem ser realizado – e eu não sei definir a duração desse período – o VER-SUS aconteceu novamente em janeiro de 2011,  com caráter de projeto piloto, entre os dias 16 e 30, na cidade do Rio de Janeiro, com foco na Gestão em Saúde. 

O VER-SUS Gestão em Saúde Rio está vinculado ao bacharelado em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi institucionalizado junto à Pró-Reitoria de Extensão e está articulada ao projeto do Observatório de Tecnologias de Informação e Comunicação em Serviços e Sistemas de Saúde (Otics) – desenvolvido em parceria com o Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica (ICICT/Fiocruz) e com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Município do Rio de Janeiro.
Nos dias de visita ao território carioca, pudemos conhecer inovações do SUS, especialmente nas áreas de atenção primária e promoção à saúde - iniciativas como as Clínicas da Família e as Upas (Unidades de Pronto Atendimento 24 horas). Para mim, a participação no VER-SUS foi decisiva. Está gerando fortes influências na minha percepção sobre o SUS, a interdisciplinaridade na Saúde e o próprio Serviço Social. Felizmente, a experiência deverá ser estendida a um maior número de alunos, em julho e janeiro próximos. Segundo os professores que nos acompanharam no Rio de Janeiro, a meta é aumentar a abrangência do VER-SUS com o apoio do Ministério da Saúde.
Que venham as próximas edições!

Abaixo, segue um vídeo do YouTube com imagens das Estações OTICS no Rio de Janeiro. É interessante para se ter uma idéia de como e onde estão estruturadas as unidades.